domingo, 26 de janeiro de 2014

PATOLOGIAS DA CONSTRUÇÃO: fundações e estruturas dos edifícios correntes

1.1 Problemas relativos às fundações e estruturas dos edifícios correntes 

Tendo os edifícios incorporado maior altura c peso próprio, e as estruturas maior csbeltez, a interação solo x edifício passa a ganhar cada vez mais importância. Os problemas geotécnicos mais comuns de fato dizem respeito aos recalques diferenciados das fundações, induzindo grande série de problemas relativos à fissuração de paredes, rompimento de tubulações e outros. Conforme o professor Victor Mello, para os edifícios de grande porte é indispensável que os projetos das fundações considerem, no mesmo grau de importância do dimensionamento com base na segurança, a previsão dos recalques.

Recalques acentuados, e mesmo acidentes mais sérios com fundações, tem ocorrido em nossas obras cm função de:

a) insuficiência de levantamentos, sondagens ou ensaios, deixando-se de considerar nos projetos e na construção eventuais falta de homogeneidade dos terrenos de fundação, presença de fossas, lançamento de entulho ou aterro, flutuações do nível d'água, e mesmo ocorrência de crateras no subsolo pela lixiviação de solos calcários; nesse último aspecto, é bastante expressivo os problemas que ocorreram e ainda podem ocorrer no município de Cajamar, limítrofe com o município de São Paulo, onde diversas edificações sofreram danos estruturais de grande monta, chegando até mesmo um sobrado de dois pavimentos a ser completamente absorvido por uma cratera que se formou a cerca de 20m abaixo da superfície do terreno;

b) recalques em fundações diretas apoiadas sobre aterros mal compactados, ou
apoiadas sobre seção mista de corte e aterro;

c) incorreções nos levantamentos geotécnicos, particularmente sondagens de simples reconhecimento com determinação simultânea do SPT; nesse particular destacamos alguns casos que analisamos e outros apontados por Quaresma:

• superestimação do SPT por problemas no amostrador e/ou por inabilidade na execução da sondagem;

• superestimação do SPT, pela presença no solo de concreções ou matacões;

• linha de tubulões apoiados simultaneamente em seção de corte e seção de aterro (Figura 1), numa obra em que um fundo de vale havia sido aterrado com solo natural escavado de obra vizinha; dessa forma, o técnico responsável pela sondagem não conseguiu detectar diferença entre a camada de aterro c o solo natural, resultando recalques diferenciados relativamente acentuados;


d) recalques em fundações constituídas por estacas escavadas, em função da presença de terra solta ou lama na base da estaca;

e) recalques pronunciados em função de desconfinamentos dos solos, situação importante nos grandes centros urbanos, com escavações de subsolos nas vizinhanças de edifícios existentes (Figura 2); nesse particular, segundo Bernine, nem sempre as contenções usuais com estacas prancha ou paredes diafragma têm evitado o problema;


f) acesso de água às fundações, situação em que aumenta a deformabilidade de solos argilosos; para solos colapsíveis, essencialmente porosos, o problema pode ser ainda maior. Neste particular, com a formação de lagos para acionamento de usinas hidroelétricas, com conseqüente elevação do nível d'água, já foram registrados diversos casos de recalques e danos a construções localizadas nas áreas de influencia dos lagos; Niyama menciona particularmente os casos das barragens de Porto Primavera, no interior do estado de São Paulo, e Paranoá, no Distrito Federal;

g) instabilização de taludes: por falta de compactação ou adequada proteção do talude, esforços horizontais consideráveis podem ser introduzidos aos elementos de fundação, conforme Figura 3;


Num edifício de quatro pavimentos com estrutura de paredes monolíticas moldadas in loco (sistema "Outinord" - fôrma túnel), a instabilização do talude provocou ligeira rotação de estaca "Strauss" posicionada no canto do prédio, sendo que não foram construídas vigas transversais que pudessem transferir os esforços horizontais a outras estacas. A parede estrutural acompanhou a rotação da estaca, "desprendendo-se" a parede de vedação cm alvenaria presente na empena da obra, altura do pavimento térreo, conforme ilustrado na Figura 4.


h) ruptura de fundação constituída por estaca mista aço/concreto, parte superior integrada por perfil I de 12" e parte inferior constituída por concreto, seção circular - diâmetro 35cm; a fundação rompeu por flambagem do perfil 1, que se encontrava totalmente desconfinado cm função da perfuração do terreno pela parte cm concreto (Figura 5);

i) ruptura de fundação por flambagem de estaca tipo Strauss, em função de escavação sob o corpo do prédio para construção de garagens (ação de moradores desavisados);

j) ocorrência de ruptura ou recalques cm fundações constituídas por estacas cravadas, com desvio da ponta da estaca pela presença de matacões (Figura 6).



Segundo Gotlieb, diversos outros problemas podem ainda ocorrer com as fundações diretas ou profundas, como por exemplo: apodrecimento de estacas de madeira, deslizamento de tubulões apoiados em maciços rochosos ou mesmo fratura da rocha de apoio, ocorrência de atrito negativo em estacas que atravessam aterros mal consolidados, sobreposição de bulbos de tensão em elementos de fundação muito próximos, acentuamento de recalques pelo rebaixamento do lençol freático, interação entre estacas cravadas muito próximas umas das outras (efeito de grupo) e até mesmo seccionamento de estacas tipo Franki pela execução de estaca próxima.

Relativamente às estruturas de concreto armado, a principal patologia que se tem observado é sem dúvida a corrosão de armaduras. Nesse aspecto, Andrade destaca como causas o emprego de concretos excessivamente permeáveis (relações água / cimento muito elevadas, dosagens inadequadas), falhas construtivas que não garantem os cobrimentos das armaduras estipulados nos projetos e a inadequação de cobrimentos normalizados. Nesse ponto deve-se mencionar a incoerência da norma brasileira NBR 6118/78 , estipulando diferentes cobrimentos cm função dos tipos de peças c da presença ou não de revestimento, mas sem considerar a natureza do meio agressivo, a localização da obra, a classe do concreto constituinte da estrutura e outras importantes variáveis.

Ao lado dos problemas localizados de corrosão, um problema que vem se mostrando cada vez mais generalizado é a excessiva flexibilidade das estruturas dos edifícios, motivada pelo refinamento do cálculo estrutural, pelo desenvolvimento de aços com elevadíssima resistência mecânica e, mais modernamente, até pelo emprego dos concretos de alta resistência. O problema vem ainda sendo agravado pela adoção de novas concepções estruturais, destacando-se aí os sistemas constituídos unicamente por pilares c lajes.

A velocidade imposta às nossas obras tem levado ao decimbramento precoce dos componentes horizontais das estruturas, solicitando-se o concreto jovem com tensões muito consideráveis e introduzindo-se fissuras de flexão em vigas e lajes. O encurtamento do concreto, quando seu módulo de deformação ainda é relativamente baixo, e a redução do momento de inércia das peças pelo desenvolvimento das fissuras, têm aumentado consideravelmente as flechas nos componentes fletidos.

Conforme trabalho anterior deste autor, as deformações estruturais podem provocar várias anomalias em paredes, pisos e outros elementos. Como decorrência da flexibilidade de vigas e lajes, manifestam-se principalmente destacamentos e fissuras em alvenarias de vedação, problema agravado nas regiões em balanço, conforme ilustrado na Figura 7.


Nas estruturas tipo "pilar-laje" tem-se verificado no geral lajes com alturas de 12 a 16 cm, para espaçamentos entre pilares da ordem de 5 a 7 metros. Verificadas a maioria das vezes no regime elástico, como aliás e permitido pela norma NBR 6118 anteriormente citada, as flechas reais normalmente suplantam as previsões teóricas, originando compressão e destacamento de pisos rígidos (placas cerâmicas ou pedi as naturais) e, principalmente, fissuração de paredes de vedação.

Um exemplo desse problema, que diz respeito à diferença entre a concepção e o comportamento real do sistema estrutura x alvenarias de vedação, é a seguir relatado.

Em determinada obra, pela deformação inicial das bordas da laje do pavimento tipo, ocorreu fissuração das alvenarias posicionadas nas regiões "em balanço" (Figura 8), aproximadamente seis meses após a instalação do carregamento.


Com o desenvolvimento das flechas nas extremidades dos balanços as lajes apoiaram-se nas alvenarias de vedação, diminuindo consideravelmente, no meio do vão, o alívio do momento fletor positivo que era propiciado pelos balanços. Fruto deste comportamento, intensificaram-se as flechas no meio dos vãos, passando agora a manifestarem-se fissuras de flexão nas paredes centrais da obra, conforme ilustrado na Figura 9.


Em alguns casos, conforme adverte Cánovas, considerando a ausência de cura úmida do concreto, as flechas das lajes têm sido agravadas pela retração do concreto, particularmente aquele posicionado na face superior do componente, onde a retração ocorre livremente pela inexistência de armaduras.

Com o advento das lajes que dispensam camada de regularização (lajes "zero"), o
problema das flechas tende a agravar-se. Na construção tradicional, as camadas de regularização, normalmente constituídas por argamassa de cimento c areia, acabavam se incorporando às lajes, atuando como capa de compressão. Daquela forma, ao aumento do peso próprio da laje contrapunha-se o aumento da sua altura útil, redundando flechas de menor intensidade.

Ainda em relação às lajes "zero", além da eliminação tia aventada sobre espessura, tem-se verificado em alguns casos o incremento das flechas pela redução na altura útil da laje, nas seções de maior momento positivo. Isto em função da adoção de contraflechas, sem a correspondente manutenção da curvatura da laje na face superior (Figura 10).

Ainda em relação às lajes, problemas muito freqüentes são acarretados pelas movimentações térmicas das lajes de cobertura, com fissuração de paredes do último pavimento, destacamento de platibandas, etc.


De acordo com o ACI, diversos outros problemas com as estruturas de concreto podem ainda ser enumerados, como por exemplo:

• falhas na locação de componentes (em determinada obra inspecionada por este autor, chegou-se a constatar afastamentos de até 20cm cm pilares que deveriam constituir uma fileira, tendo-se de inserir consolos em alguns pilares para o apoio da viga);

• irregularidades geométricas das peças:

- desaprumos, desnivelamentos, embaciamentos
- desbitolamentos das seções, dentes nas continuidades de pilares
- cobrimentos em desacordo com o projeto

• ninhos de concretagem
- cm função de taxas excessivas de armadura
- em função de falhas de dosagem, lançamento e /ou adensamento

• estados excessivos de fissuração

• manchas no concreto aparente:

- falta de homogeneidade dos materiais
- cimentos com excessivos teores de álcalis
- qualidade das fôrmas e dos desmoldantes
- lixiviação, carbonatação, eflorescências
- proliferação de fungos (pH = 5 a 6), fuligem ácida, etc.

Quanto aos desaprumos, cm outra obra vistoriada constatou-se afastamento equivalente a 22cm, tendo o edifício 30m de altura, o que leva à distorção "record" de 1/140. Esta e outras irregularidades geométricas das estruturas de concreto repercutem em consideráveis engrossamentos c conseqüente sobrecarga das estruturas e das fundações, problema normalmente associado aos desabamentos de edifícios que se têm verificado no país.

Em relação às alvenarias estruturais, sistema que vem se tornando muito competitivo economicamente para edifícios de ate oito ou dez pavimentos, o IPT registrou ocorrências consideráveis de fissuras nos vértices de vãos de portas e janelas e, principalmente, destacamentos entre paredes assentadas com juntas a prumo (ancoragem mecânica através de ganchos ou ferros embutidos nas juntas), conforme Figura 11.

Problemas de fissuras e esmagamentos localizados, decorrentes da concentração de tensões de compressão, também tem sido observados cm regiões de paredes localizadas entre aberturas de janelas ou portas muito próximas, situação em que os trechos de alvenaria comportam-se como pilares (Figura 12). Esta situação é mais importante nos pavimentos térreos dos edifícios, onde normalmente são inseridos vãos de maior largura, para constituição de salões de festa, play-grounds, etc.



Neste sistema construtivo, as interfaces alvenarias x lajes ainda requerem certos cuidados, particularmente nos encontros com lajes de cobertura; pelas movimentações térmicas, ou mesmo pela retração dessas lajes, Tiscornia relata a possibilidade de ocorrência de diversos problemas de fissuras e destacamentos nas paredes dos últimos pavimentos.

Também em pavimentos intermediários, em função da retração das lajes de piso, observam-se problemas de fissuras horizontais nas alvenarias, logo abaixo do apoio, ou mesmo na linha dos peitoris de janelas, conforme ilustrado na Figura 13. A despeito de vãos relativamente pequenos, normalmente entre 4 e 5 metros, fissuras horizontais também podem ser introduzidas nas alvenarias pela flexibilidade das lajes, conforme Figura 14.


Outros problemas verificados nas alvenarias estruturais, com maior ou menor incidência, são: destacamentos entre blocos (pela inadequação do traço da argamassa de assentamento ou falhas de execução), descontinuídades em grauteamentos verticais (obstrução parcial dos furos pela argamassa de assentamento, inadequação do traço do graute), contravergas muito curtas, fissuras c destacamentos cm platibandas.

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